quinta-feira, 28 de maio de 2009

Ode à Estirpe Compartilhada


Eu não sei lidar com a perda. Jé me dei conta disso há muito tempo. Desde a primeira frustração. Do primeiro afeto não correspondido. Da primeira inclinação à indiferença. Desde o primeiro ser vivo que me deixou, levado pela mão da vida. Ou pelo sopro da morte.
Não é a dor da saudade que me consome na maioria dos casos. Sinto falta da presença de alguns que se foram com a certeza de nunca mais voltar. Mas estes... estes foram muito poucos. Os abandonos que mais corroem a minha vaidade são àqueles que disseram um adeus feio, isso quando muito. E estes... Ah, estes! Estes foram tantos. Frequentes. Permanentes.

Como viver, sempre à espera do inevitável
fim? Como prosseguir de cabeça erguida após uma sucessão de "foi legal enquanto durou mas você não é suficientemente boa para que eu continue a tentar mover as mesmas montanhas de outrora"? Palavras não proferidas diretamente à mim. Mas percebidas no olhar. No gesto. No desmoronar de um castelo construido, uma casa projetada, um acapamento levantado. Observei com a alma paciente e a mente desconfiada. Um sorriso calmo sufocando o grito. Um misto de insegurança e desdém. A ambiguidade calculada de quem aprendeu a viver desejando o tudo, e aceitando os pedaços.

Estruturei ao longo dos anos uma personagem hipócrita. Com o outro. E, acima de tudo, comigo mesma. Aceitei de bom - e mal grado -
idiossincrasias das quais eu não concordava, mas que julgava capaz de conviver e até mesmo de moldá-las ao meu gosto. Disse sim em nome de princípios, esperando ser recompensada pelos sacrificios, ao invés dos benefícios. E assim, no colocar e tirar das máscaras, perdi a mim mesma, sobrevivendo às custas do amanhã, sacrificando o hoje e anulando o ontem. Conformei-me com a rotina desgastante do nunca colocar-me em primeito lugar, fingindo não sentir o que sentia (ou fingindo sentir); buscando ser a melhor. Filha, irmã, amiga, colega, namorada. O porto seguro das barcas estrangeiras, dos navios piratas, dos contrabandistas esquivos. Àquela que sempre perdoa, não importam os insultos. A que releva o descaso por lealdade e sinceridade de caráter.

Foi por medo do não reconhecimento que fiz papel de madura antes do tempo. Que tomei para mim as responsabilidades. Que exigi, através de cobranças silenciosas. Que amei. Odiei. Rejeitei. Por receio de estar só. Mesmo estando desde o início. Habituei-me a não procurar como fui procurada. Acostumei as pessoas a considerar-me um exemplo de auto suficiência. Permiti que partissem sem saberem o estado de desespero que me era acometido. Muito mais pelo fracasso que pelo término. Pensei tanto, e nos mínimos detalhes, em como proceder para ser realmente amada pelo que realmente sou, sem ter noção de que o real estava no meu imaginário e que, apenas eu, só eu sabia que cara ele tinha. Sozinha na minha luta por superar, fiz uso excessivo da recordação dos maus momentos. É mais fácil esquecer assim. E quando tive a prova de que os sentimentos evaporaram-se por completo, percebi que não sobrava mais nada além de amargura e ceticismo. E o cansaço. E um todo de desilusão.

Passados os dias de reflexão à que forçosamente me impus, fui deixando de lado o rancor. Pesando os prós e os contras do ainda ser alguma coisa de quem lentamente deixou de ser algo para mim. Não posso dizer que me isolei por completo. Que não tive ajuda. Que não procurei alternativas de felicidade. E que não as encontrei. Tendo em vista que sorri muito mais do que eu esperava. Que chorei bem menos que o previsto. Que encontrei alegria nos meus pequenos prazeres. Que conclui serem verdadeiros. Assim como muito do que fiz. Do que senti. Do que fui. Apesar da farsa, do dramalhão e do desejo de vingança.

Aos meus ex-amores, queria dizer que não os odeio. Não os quero mal. Mas devo confessar, também, não querer mais nada. Do passado. Do que não mudou. Queria dizer-lhes que os perdoei. Mas é mentira. Mesmo porque, alguns nunca pediram desculpas. Vai ver acham que não fizeram nada além de seguir adiante. Assim como estou fazendo agora. De maneira egoísta. Até mal educada. Se passo direto sem cumprimentar é porque não tenho vontade. Se não atendo aos telefonemas é porque não quero. Não é por ódio. Ou represália. É por puro e espontâneo desejo de preservação. À quem negligenciei durante essa jornada, perdão. Você sabe que te amo nessa e em qualquer outra vida que nos encontrarmos.

Ainda acredito nos pais que amam seus filhos incondicionalmente. Nos amigos atemporais. No companheirismo dos irmãos. Na paixão dos enamorados. Ainda me enternecem as histórias de amor, os corações partidos, os que erram, os que se arrependem, os que transformam-se. Ainda estou sendo, assim como sempre estaremos. Procurando algo que, aos poucos, vou encontrando: paz de espírito. Permitindo-me deixar levar pelo inesperado. Ainda que sentido-me conectada à tão poucos. Tentando viver sem acreditar piamente na máxima escrita pelo autor Gabriel Garcia Márquez, em seu livro Cem Anos de Solidão. "Pois
quem nasce sobre a estirpe dos solitários, não tem uma segunda chance na Terra". Fazendo-me valer, entretanto, e sempre, dos dizeres de Alexander Supertramp: "A felicidade só é verdadeira quando compartilhada". Mas essa daí... bem... é conversa para outro dia.


quarta-feira, 6 de maio de 2009

"Feliz é a inocente vestal! Esquecendo o mundo e sendo por ele esquecida. Brilho eterno de uma mente sem lembranças. Toda prece é ouvida, toda graça se alcança"

Alexander Pope

Eu não gostei. Da primeira vez que vi. Dormi em alguns trechos. Achei confuso e metido a "diferente". Pretenciosamete chato. Porém, ao findar do enredo, quatro coisas não saiam da minha cabeça: a cena do rio congelado, a linda trilha sonora, uma citação, e a palavra Tangerine.

Tangerine... Tangerine! Estou para conhecer alguém que não soletre, assim, quase que mecanicamente - e, na maioria das vezes, com uma boa dose de doçura nos lábios - as sílabas que formam o apelido de umas das personagens mais carismáticas dos últimos anos. "Tangerine!". Quase um mantra. Reconhecimento imediato. Demonstração espontânea e adorável de que sim, o quebra cabeças habilmente escrito pelo roteirista Charlie Kaufman causou impacto. Sim. A colcha de retalhos sensivelmente dirigida pelo francês Michel Gondry tem seu valor. Sim. Kate Winslet está fantástica, crível. Sim. Jim Carrey nunca mais atuará tão bem. Sim. Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças mexeu com você.

Foi amor à segunda vista. Terceira vista. Bem, tantas vistas já vistas que nem me recordo mais. Sim. Eu fui fisgada. Sou irremedialvelmente apaixonada por esse filme. Lembro como se fosse hoje. O nó desfeito ao fim da projeção. Aquela agonizante sensação de flagrante. Sim. Eles entendiam. Nós sabíamos. Agora éramos amigos de fato. Cúmplices de uma estória universalmente conhecida. Por aqueles que viveram amores. Grandes. Pequenos. Para a vida toda. Por ap
enas um dia. Platônicos. Reais. Por aqueles que já se apaixonaram como se fosse pela última vez, mesmo sendo a primeira. Como se fosse a primeira vez, mesmo sendo pela mesma pessoa.

Não sou muit
o afeita a fazer resumos de filmes. Mas esse é especial. Então aqui vamos nós. Joel (Jim Carrey) é, aparentemente, um cara pacato. Em uma manhã como dessas quaisquer, ele vai ao estacionamento do prédio em que mora e encontra a porta do seu velho carro um tanto quanto bem amassada. Ele não entende como aquilo pode ter acontecido. Não recorda-se de ter-se envolvido em acidente algum. Terá sido algum vizinho? Sem muitas delongas, dirige até a estação de trem, onde iria aguardar na plataforma, já atrasado e estranhamente ansioso, o transporte chegar. Num ato impulsivo, resolve mudar a rota de seu destino, faltar ao emprego e deixar que o dia lhe revele as boas(?) novas. E é por causa desse seu comportamento tão atípico (Joel nos conta sobre a sua aparente inaptidão em tomar decisões repentinas) que o moço tímido conhece Clementine, seu, aparentemente, total oposto. Desinibida, a bela estranha de cabelo azulado se apresenta ao nosso protagonista com uma naturalidade de dar inveja. Dessa maneira, apesar das aparentes diferenças, os dois decidem levar aquele encontro aparentemente casual adiante. Trocam ligeiras confidências, fazem um "piquenique" ao luar e, na volta para casa, Clem decide dormir no apartamento de Joel. Mas antes disso, precisa pegar sua escova de dentes em casa. Enquanto espera a moiçola, alguém bate à janela do automóvel de Joel e o pergunta de forma surpresa, o porquê de ele estar ali. Sem resposta, vai embora e deixa o cara com uma pulga atrás da orelha. Ao voltar, Clementine abre uma correspondência que foi enviada para ela, de uma tal empresa chamada Lacuna. Dentro do envelope uma fita de aúdio e um pequeno memorando. O conteúdo destes deixa os dois confusos. Tamanha é a estranheza de Joel que o mesmo exige que a protagonista desça do carro e vá embora para sempre.

E então: BUM! O quadro que se config
ura aos nossos olhos é a de um Joel às lágrimas, desesperado, tremendo, quase sem conseguir lidar com a direção do seu veículo. Dessa vez quem fica sem entender nada somos nós. O que acabara de acontecer não haveria de ser suficiente para causar tanta dor. Não. Não mesmo. Com o decorrer dos minutos precedentes, a estória se passa praticamente toda no cérebro de Joel , através de suas lembranças e o embate poético entre razão, emoção e o amor que permanece intacto, seja lá qual for o orgão que o abriga.

Durante sua epopeia (e daqueles que tentam atrapalhadamente apagar algumas de suas memórias), Joel recorda momentos que marcaram a relação turbulenta entre Tangerine e ele. Discussões aparentemente bobas que se transformam rapidamente em brigas homéricas; brincadeiras de casal, na intimidade de um quarto; estripulias dos que se gostam, no meio da multidão; o pavoroso silêncio que vez ou outra acomete os que entre si interagem; o silêncio cúmplice; palavras que nunca poderiam ter sido ditas; as que deveriam ter sido ditas. Mas sei lá, a gente acaba não dizendo.

"Começo, me
io e fim". Um conto aparentemente simples sobre dois seres humanos aparentemente simples, com vidas aparentemente simples, mas que, com certeza, nos conquistam exatamente por isso. Clementine é impulsiva, neurótica, instável. Joel é reservado, racional, passivo. Um muito de tudo aquilo que fomos, somos e seremos. Pois ninguém é totalmente Joel o tempo todo. Ninguém é Clementine o tempo todo. Nem eles o são. Mas uma coisa parece unânime: é que no fim das contas, o que fica mesmo, são os sorrisos entrecortados, os olhares carinhosos, desconfiados e cheios de segredos, e a dor que acompanha os que se permitem amar, uma, duas, três, infinitas vezes. Com todos os benefícios e malefícios que acompanham o produto. Sem troca. Sem devolução. Muito menos garantia.



Título Original: Eternal Sunshine of the Spotless Mind
Tempo de Duração: 108 minutos
Ano de Lançamento (EUA): 2004
Site Oficial: www.eternalsunshine.com
Direção: Michel Gondry
Roteiro: Charlie Kaufman, baseado em estória de Charlie Kaufman, Michel Gondry e Pierre Bismuth
Produção: Anthony Bregman e Steve Golin
Música: Jon Brion

terça-feira, 5 de maio de 2009

No futuro do pretérito mais que imperfeito


Eu amei.

Amei o que ele foi um dia.
O que eu fui um dia.
Cada milímetro.
Do que poderia ter sido.
Do que eu poderia ter sido.
Do ele poderia ter sido.
Do que nós poderíamos ter sido.

Amei o se.
O talvez.
O quem sabe.

Amei uma idéia.
Um potencial.
Amei o vazio.
Pois o que não foi acabou nunca sendo.

Amei o difícil.
O trágico.
Amei sofrendo.
Doendo.
Roendo.

Amei a risada.
O suor.
O hálito.
O olhar.
A lágrima.

Amei o que pensava ser só meu.
O que pensei ser só seu.
O que nunca foi de nós.
O que sempre foi deles.

Amei por um dia.
Uma hora.
Um minuto.
Um segundo. Seguinte.

Não amava mais.