Eu não sei lidar com a perda. Jé me dei conta disso há muito tempo. Desde a primeira frustração. Do primeiro afeto não correspondido. Da primeira inclinação à indiferença. Desde o primeiro ser vivo que me deixou, levado pela mão da vida. Ou pelo sopro da morte. Não é a dor da saudade que me consome na maioria dos casos. Sinto falta da presença de alguns que se foram com a certeza de nunca mais voltar. Mas estes... estes foram muito poucos. Os abandonos que mais corroem a minha vaidade são àqueles que disseram um adeus feio, isso quando muito. E estes... Ah, estes! Estes foram tantos. Frequentes. Permanentes.
Como viver, sempre à espera do inevitável fim? Como prosseguir de cabeça erguida após uma sucessão de "foi legal enquanto durou mas você não é suficientemente boa para que eu continue a tentar mover as mesmas montanhas de outrora"? Palavras não proferidas diretamente à mim. Mas percebidas no olhar. No gesto. No desmoronar de um castelo construido, uma casa projetada, um acapamento levantado. Observei com a alma paciente e a mente desconfiada. Um sorriso calmo sufocando o grito. Um misto de insegurança e desdém. A ambiguidade calculada de quem aprendeu a viver desejando o tudo, e aceitando os pedaços.
Estruturei ao longo dos anos uma personagem hipócrita. Com o outro. E, acima de tudo, comigo mesma. Aceitei de bom - e mal grado - idiossincrasias das quais eu não concordava, mas que julgava capaz de conviver e até mesmo de moldá-las ao meu gosto. Disse sim em nome de princípios, esperando ser recompensada pelos sacrificios, ao invés dos benefícios. E assim, no colocar e tirar das máscaras, perdi a mim mesma, sobrevivendo às custas do amanhã, sacrificando o hoje e anulando o ontem. Conformei-me com a rotina desgastante do nunca colocar-me em primeito lugar, fingindo não sentir o que sentia (ou fingindo sentir); buscando ser a melhor. Filha, irmã, amiga, colega, namorada. O porto seguro das barcas estrangeiras, dos navios piratas, dos contrabandistas esquivos. Àquela que sempre perdoa, não importam os insultos. A que releva o descaso por lealdade e sinceridade de caráter.
Foi por medo do não reconhecimento que fiz papel de madura antes do tempo. Que tomei para mim as responsabilidades. Que exigi, através de cobranças silenciosas. Que amei. Odiei. Rejeitei. Por receio de estar só. Mesmo estando desde o início. Habituei-me a não procurar como fui procurada. Acostumei as pessoas a considerar-me um exemplo de auto suficiência. Permiti que partissem sem saberem o estado de desespero que me era acometido. Muito mais pelo fracasso que pelo término. Pensei tanto, e nos mínimos detalhes, em como proceder para ser realmente amada pelo que realmente sou, sem ter noção de que o real estava no meu imaginário e que, apenas eu, só eu sabia que cara ele tinha. Sozinha na minha luta por superar, fiz uso excessivo da recordação dos maus momentos. É mais fácil esquecer assim. E quando tive a prova de que os sentimentos evaporaram-se por completo, percebi que não sobrava mais nada além de amargura e ceticismo. E o cansaço. E um todo de desilusão.
Passados os dias de reflexão à que forçosamente me impus, fui deixando de lado o rancor. Pesando os prós e os contras do ainda ser alguma coisa de quem lentamente deixou de ser algo para mim. Não posso dizer que me isolei por completo. Que não tive ajuda. Que não procurei alternativas de felicidade. E que não as encontrei. Tendo em vista que sorri muito mais do que eu esperava. Que chorei bem menos que o previsto. Que encontrei alegria nos meus pequenos prazeres. Que conclui serem verdadeiros. Assim como muito do que fiz. Do que senti. Do que fui. Apesar da farsa, do dramalhão e do desejo de vingança.
Aos meus ex-amores, queria dizer que não os odeio. Não os quero mal. Mas devo confessar, também, não querer mais nada. Do passado. Do que não mudou. Queria dizer-lhes que os perdoei. Mas é mentira. Mesmo porque, alguns nunca pediram desculpas. Vai ver acham que não fizeram nada além de seguir adiante. Assim como estou fazendo agora. De maneira egoísta. Até mal educada. Se passo direto sem cumprimentar é porque não tenho vontade. Se não atendo aos telefonemas é porque não quero. Não é por ódio. Ou represália. É por puro e espontâneo desejo de preservação. À quem negligenciei durante essa jornada, perdão. Você sabe que te amo nessa e em qualquer outra vida que nos encontrarmos.
Ainda acredito nos pais que amam seus filhos incondicionalmente. Nos amigos atemporais. No companheirismo dos irmãos. Na paixão dos enamorados. Ainda me enternecem as histórias de amor, os corações partidos, os que erram, os que se arrependem, os que transformam-se. Ainda estou sendo, assim como sempre estaremos. Procurando algo que, aos poucos, vou encontrando: paz de espírito. Permitindo-me deixar levar pelo inesperado. Ainda que sentido-me conectada à tão poucos. Tentando viver sem acreditar piamente na máxima escrita pelo autor Gabriel Garcia Márquez, em seu livro Cem Anos de Solidão. "Pois quem nasce sobre a estirpe dos solitários, não tem uma segunda chance na Terra". Fazendo-me valer, entretanto, e sempre, dos dizeres de Alexander Supertramp: "A felicidade só é verdadeira quando compartilhada". Mas essa daí... bem... é conversa para outro dia.