quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Pinguinhos de Vermelho


Hoje, sei lá porque, e mais do que nunca, eu senti saudade de você. Uma falta enorme da tua companhia. Do teu jeito de ser, de me tratar, de levar a vida. Tu sempre teve essa mania de se preocupar com as coisas. Além do necessário, do esperado. Mas naquela época, tua cuca era mais fresca, mais leve.


Bons tempos eram aqueles - me confidenciasse certa vez - em que tu acordava pela manhã, corria pra cozinha, atrás daquele cheirinho de café, de ovo frito estalado, pão assado saindo do forno. Pés descalços, cabelos soltos ao vento, ainda de pijamas, tu se sentava à mesa e sorria feliz. Olhava os rostos ao redor com certa ternura e uma grande dose de respeito. Com um pouco de temor também. Afinal, eram todos tão diferentes e ao mesmo tempo... tão iguais. Quanto ao restante do dia... haviam obrigações a serem cumpridas. Nessas horas teu humor variava, tua timidez era testada ao limite, tu sabia que ia ter que se esforçar e fazer algumas coisinhas que não te agradavam de um todo. Então tu racionava e concluia que deveria ser assim com todo mundo, e que tinha era muita, mas muita sorte de ter pais que te amavam, ainda que não fossem tão gentis e atenciosos quanto tu desejava.

O melhor de tudo era quando a gente engabelava o tempo pra se encontrar lá atrás, no quintal, perto do pé de fruta-pão. Eu chegava correndo que dava gosto de ver. Tinha dias em que eu te presenteava com uma carambola, uma manga-espada docinha, que a gente rasgava com a boca e dividia, rindo dos fiapos que teimavam em enfeitar nossos dentes. Tu me olhava sem malícia, essa malícia de agora, e me perguntava se eu tinha hora pra ir. Eu sempre respondia que não, mesmo sabendo que sim. Era tua meiguice em excesso que me fazia querer ficar até não poder mais, ainda que com o estômago roncando, os olhos puxadinhos de sono. Ficar contigo era bom. Tu não tinha medo de quase nada. Tu cantava alto, gritava quando corria, mijava de rir, achava que sexo era nome de pedra. Teu único vício era bolacha cremicráquer com goiabada. Teu maior desejo era simplesmente... ser feliz.

Foi lá, sentada naquela cadeira, olhando as árvores que outrora cercaram nossa antiga escola. Que eu lembrei de tu. Pensei em te ligar, eu nunca esqueci dos sete números do telefone da tua casa, sabia? Nem do nome da rua, da cor do muro, das papoulas vermelhas, do quartinho de costura, do teu avô sentado na cadeira de balanço, da coleção de Dickens, capa vermelha, Monteiro Lobato; a bíblia da tua avó, a vizinha do lado, a "nossa" Bruxa do 71. Queria que tu me olhasse agora e me dissesse se eu sou do jeitinho que tu imaginasse que eu seria. Se é que tu um dia chegasse a fazer isso.

Acima de tudo. Eu queria mesmo era ganhar um abraço teu. Te ouvir me dizendo pra não chorar demais, pros olhos não ficarem inchados. Tenho quase certeza que dessa vez era tu que ia me arrastar pra frente da tv, saco de algodão doce cor de rosa. E eu nem ia te avisar que o Sílvio Santos enlouqueceu e mudou, de novo, o horário de Chaves.